Justiça reconhece, e casal conclui adoção de criança que morreu durante o processo

De Patricia Zeni | 23 de janeiro de 2020 | 14:02
(Foto: Divulgação TJPR)
(Foto: Divulgação TJPR)

A Justiça Paranaense confirmou a adoção de um bebê mesmo após sua morte no decorrer do processo. A menina viveu apenas sete dias, mas de acordo com a decisão do desembargador da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), já havia entre ela e os pais uma relação de afeto.

Sem condições de criar a menina, a mãe biológica tomou medicamentos abortivos na tentativa de interromper a gestação, mas as substâncias aceleraram o parto. Ela desconhecia a possibilidade de entregar a criança para adoção – procedimento legal, feito com acompanhamento da Justiça. A entrega foi realizada logo após o nascimento da criança com vida.

A criança nasceu com 23 semanas de gestação e quatro casais rejeitaram o bebê por conta do grau de prematuridade e a alta chance de morte. Apesar dos riscos, um casal decidiu adotá-la e recebeu a guarda provisória da menina. Porém, a criança faleceu dois dias após o início do estágio de convivência, sem a conclusão do processo.

Mesmo após a morte da criança, o casal quis concretizar a adoção. Porém, a legislação brasileira trata apenas da possibilidade de adoção pós morte quando o falecido é o adotante, sendo omissa quanto à conclusão do processo diante do falecimento do adotando.

Relação afetiva

No entanto, em 1º grau de Jurisdição, o magistrado responsável pela decisão ponderou que não poderia ser ignorado o fato de que na relação entre o casal e aquela criança havia afeto. Para o juiz, a morte da criança não exclui a vontade do casal de adotá-la. Tal vínculo, que segundo ele, também merece respaldo do Poder Judiciário.

“Os requerentes batizaram a filha, fizeram seu sepultamento com a participação dos familiares e da comunidade onde vivem. Não há como explicar, quantificar a entrega desses pais, desta família, neste processo tão curto de adoção, muito menos negar que a vinculação existiu ou julgar que pelo tempo mínimo não pudesse existir”, explica a sentença.

Além disso, a sentença decretou que a posição do casal na fila de interessados em adotar não será alterada. “Mantenho o casal na posição em que se encontra, ele não está na primeira posição, seu perfil é restrito, portanto não serão beneficiados e também não devem ser prejudicados indo para a última posição”.

O Ministério Público (MP) recorreu da decisão, alegando que a adoção não seria juridicamente possível nessas circunstâncias devido à perda do objeto do processo e da falta de previsão legal para sustentar a continuidade da ação, mas após análise, o TJ-PR, por unanimidade, manteve as determinações da sentença. “Não resta dúvida que o casal faz jus à adoção da criança falecida como filha, e ela merece conter em sua lápide o nome daqueles que realmente foram sua família, pelo exíguo lapso de sua existência terrena”, afirmou o desembargador.

O que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90, sobre a adoção após a morte?
Art. 42, §6º – A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.

O ECA permite que a gestante ou mãe manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento. Confira o conteúdo da lei: 

Art. 19-A.  A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude. 

§1º – A gestante ou mãe será ouvida pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, que apresentará relatório à autoridade judiciária, considerando inclusive os eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal. 

§2º – De posse do relatório, a autoridade judiciária poderá determinar o encaminhamento da gestante ou mãe, mediante sua expressa concordância, à rede pública de saúde e assistência social para atendimento especializado. 

§3º – A busca à família extensa, conforme definida nos termos do parágrafo único do art. 25 desta Lei, respeitará o prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período.

§4º – Na hipótese de não haver a indicação do genitor e de não existir outro representante da família extensa apto a receber a guarda, a autoridade judiciária competente deverá decretar a extinção do poder familiar e determinar a colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional. 

§5º – Após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os genitores, se houver pai registral ou pai indicado, deve ser manifestada na audiência a que se refere o § 1 o do art. 166 desta Lei, garantido o sigilo sobre a entrega. 

§6º – Na hipótese de não comparecerem à audiência nem o genitor nem representante da família extensa para confirmar a intenção de exercer o poder familiar ou a guarda, a autoridade judiciária suspenderá o poder familiar da mãe, e a criança será colocada sob a guarda provisória de quem esteja habilitado a adotá-la. 

§7º – Os detentores da guarda possuem o prazo de 15 (quinze) dias para propor a ação de adoção, contado do dia seguinte à data do término do estágio de convivência. 

§8º – Na hipótese de desistência pelos genitores – manifestada em audiência ou perante a equipe interprofissional – da entrega da criança após o nascimento, a criança será mantida com os genitores, e será determinado pela Justiça da Infância e da Juventude o acompanhamento familiar pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias. 

§9º – É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei. 

Colaboração TJPR