Por que, 100 anos depois, a Bauhaus segue sendo tão importante

De Redação | 27 de maio de 2019 | 12:28

Em abril de 1933, o arquiteto Ludwig Mies van der Rohe encontrou o lugar em que trabalhava, em um bairro de Berlim, na Alemanha, rodeado de policiais. A Bauhaus, onde ele era diretor e professor, havia acabado de se instalar em uma antiga fábrica de telefones, mas a escola existia desde 1919, quando foi inaugurada em Weimar com o intuito de colocar a arte a serviço da arquitetura. De lá em diante, tinha mudado para uma junção de arte com técnicas industriais. Quando Mies chegou à instituição, em 1930, ela já havia se tornado apenas uma escola de arquitetura.

Foi essa instabilidade e mesmo a falta de propostas que fizeram com que ela se tornasse tão influente. Em apenas uma década, a Bauhaus se tornou sinônimo de um design moderno, um símbolo da era progressista sobre o mundo, de Nova York a Calcutá. Os nazistas logo passaram a ver na escola, assim como na música atonal e na pintura expressionista, outra espécie de expansão global da conspiração judaica que deveria ser eliminada.

Eles não estavam errados em intuir que havia um radicalismo no coração do projeto da Bauhaus: unindo todas as suas múltiplas tendências e impulsos se notava a tentativa de colocar a arte e a arquitetura ao serviço de uma regeneração social para as classes trabalhadoras do planeta. À medida que o partido nazista ia tomando o poder na Alemanha, a escola foi se tornando itinerante, sempre em procura de um lugar seguro: foi de Weimar — local onde foi escrita a primeira constituição republicana alemã — para a cidade industrial de Dessau, onde deixou sua marca arquitetônica mais intensa. Naquele ano, a Bauhaus estava com seu terceiro diretor, Mies, que acabaria sendo o último.

O governo local de Dessau, um dos primeiros assumidos pelos nazistas, em 1931, conseguiu articular para fechar a Bauhaus no ano seguinte, fazendo valer o fato da escola ser pública. Mies a reabriu como uma instituição privada em Berlim em 1933, mas só conseguiu colocá-la em funcionamento por um semestre. Os nazistas em Dessau procuraram fazer desaparecer "do solo alemão um dos locais mais proeminentes da manifestação artística judaica-marxista", segundo um editorial da época. Com Adolf Hitler como chanceler da Alemanha, o promotor de Dessau pediu que a nova sede da escola, em Berlim, também fechasse suas portas.

(Foto: Divulgação)(Foto: Divulgação)

Na Bauhaus berlinense, a polícia encontrou materiais que afirmava serem subversivos, e com isso conseguiu bloquear o acesso à instituição. Seguiram-se três meses de tentativas de Mies e outros amigos até chegarem à inevitável conclusão de que a escola não voltaria a ter suas aulas. No final, as autoridades de Dessau usaram uma nova lei nazista para declarar que "apoiavam a ação sobre a Bauhaus porque ela se apresenta como uma célula bolchevique", o que havia se tornado um crime.

Em julho de 1933, Mies e outros professores da Bauhaus se juntaram no apartamento da designer Lilly Reich em Berlim e decidiram, após uma longa discussão, fechar suas portas. O fim formal dela como escola somente precipitou seu renascimento como um mito, com várias criações levadas pelos antigos alunos e professores para fora da Alemanha nazista. O que deveria ter sido um episódio pequeno na história do modernismo se tornou único, traduzido para diferentes idiomas, geografias, contextos e economias: um movimento cuja estética estava intrinsecamente ligada à diáspora.

Em retrospecto, a Bauhaus estabeleceu um conceito particular, "design", cuja quantidade de significados superou a própria palavra. Governos ao redor do mundo estavam experimentando o conceito em novas formas de planejar de quarteirões de suas cidades aos pisos de fábricas — ou até mesmo economias inteiras. Naquele contexto, a Bauhaus era uma ideia que poderia acompanhar o processo, isto é, poderia dar vigor estético, arquitetônico e espiritual a um renascimento da sociedade por meio do design. O êxodo levou a escola para Londres, Nova York, Chicago, Tel Aviv, São Paulo.

Walter Gropius, o fundador da Bauhaus, por exemplo, se tornou professor em Harvard, no estado de Massachussets, nos Estados Unidos. Hannes Meyer, o segundo diretor e um marxista fervoroso, seguiu seus ideais políticos na União Soviética. Depois da guerra, alguns ficaram no exterior em suas novas casas, enquanto outros retornaram para um ou outro lado da dividida Alemanha, cada um deles tentando remodelar suas próprias Bauhaus. Uma nova escola com o mesmo nome foi fundada em Chicago, nos EUA, em 1937, e outra "nova" Bauhaus abriu suas portas na cidade de Ulm, na parte ocidental do país europeu, em 1950.

No entanto, a Guerra Fria modificou os significados da escola: enquanto a Alemanha Ocidental adotou a Bauhaus como um símbolo da democracia, a Oriental a usou, tempos depois, como um sinônimo do seu progresso. Nos protestos de Maio de 1968, na França, os estudantes revoltosos reclamavam da conformidade da instituição e, nos EUA, o escritor Tom Wolfe, publicamente de direita, dizia o mesmo. "Cada um tinha fundado, refundado ou mantido em sua memória uma Bauhaus própria, muito menor do que a original", disse uma reportagem do jornal alemão Bild em março.

Em 2019, no centenário da Bauhaus, a Alemanha abriu dois novos museus dedicados à escola, um em Weimar e outro em Dessau. Além disso, o Bauhaus-Archiv, em Berlim, está construindo um novo edifício que deverá ficar pronto em 2022. Em vários lugares do país, de pequenos projetos residenciais ao prédio central e monumental em que ficava a instituição em Dessau, de um desconhecido projeto de cama box baú até a Wassily Chair, a Bauhaus está sendo ressignificada com novas mostras e exposições. Um calendário cheio de eventos vai durar o ano todo e a televisão alemã vai transmitir uma minissérie chamada Bauhaus, a Nova Era, no segundo semestre.

Entre os nomes conhecidos da história da Bauhaus estão Gropius, o fundador, Mies, o último diretor antes de Hitler, além de Wassily Kandinsky, Josef Albers, László Moholy-Nagy, Johannes Itten, Paul Klee — citado por Walter Benjamin no seu texto clássico sobre a história — e o designer Marcel Breuer, criador da famosa cadeira Wassily.

Gropius dizia que fundou a Bauhaus por uma ansiedade em resolver a "falta de alma" que os produtos manufaturados possuíam e a perda que a arte vinha tendo em oferecer propostas à sociedade. Apesar de logo ter abandonado muito da tradição acadêmica antiga de educação artística, ela manteve ênfase em premissas intelectuais e teóricas, conectando-as com um foco nas habilidades práticas, no artesanato e nas técnicas que eram remanescentes do sistema produtivo medieval.

Isso significava que as belas artes e o artesanato eram colocados juntos como a solução para o problema da moderna sociedade industrial. Fazendo isso, a Bauhaus efetivamente nivelou a velha hierarquia das artes, colocando o artesanato a par com as belas artes, como a escultura e a pintura, e pavimentando o caminho para muitas das ideias que inspiraram os artistas do final do século XX.

Outra ideia-chave da Bauhaus era que a ênfase em experimentar e resolver problemas desse tipo tinha se provado uma influência enorme para a educação no campo das artes. Ela levou a um novo pensamento sobre as belas artes como "artes visuais", e a arte passou a ser considerada menos um complemento das humanidades, como a literatura e a história, e mais como um tipo de pesquisa científica. A história da cadeira Wassily ilustra bem essas perspectivas e objetivos.

Colaboração Assessoria de Imprensa